Você sabe quem são seus constantinos? 5 ideias para evitá-los!

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Na última terça-feira, o país ficou estarrecido com a violência promovida contra Mariana Ferrer numa audiência judicial. A matéria do intercept repercutiu nas redes sociais com o mote “não existe estupro culposo” por que, de acordo com as jornalistas, a denúncia do promotor teria apontado conduta do réu como culposa porque ele não teria como saber da incapacidade da vítima, uma aberração que foi prontamente recusada na sociedade. Não por todos, claro.

Há um espaço para discutir, acessoriamente, a escolha do The Intercept por interpretar a sentença de tal forma, o que foi comentado no mesmo dia com uma publicação de uma nota e também um artigo publicado depois. Sobre esse ponto, há profissionais qualificados para comentar sobre a atividade jornalística.

O tema aqui é como o assunto impacta na atividade de COMPLIANCE das empresas e comentar sobre o jornalista Rodrigo Constantino.

O país parou esta semana para discutir direitos das mulheres (ou a falta deles, no caso), crime de estupro, consentimento e justiça. A repercussão basicamente passou por todos os âmbitos da sociedade: Anitta se manifestou, assim como a ministra Damares Alves, o ministro do STF Gilmar Mendes, o apresentador Ratinho, o Craque Neto, clubes de futebol.

Todos foram unânimes em condenar a conduta dos presentes na audiência, mas, ao comentar os fatos, vimos uma corrente atacando a vítima Mariana Ferrer, entre eles o jornalista Rodrigo Constantino.

O que disse Rodrigo Constantino?

Na gravação ele disse: “Se minha filha chegar em casa, isola [ele bate na madeira]… Mas se a minha filha chegar em casa -e eu dou boa educação para que isso não aconteça, mas a gente nunca controla tudo-, se ela chegar em casa um dia dizendo: ‘Pai, fui para uma festinha, ah, fui estuprada’. [Eu perguntaria]: ‘Me dá as circunstâncias’. ‘Ah, fui para uma festinha, eu e três amigas, tinha 18 homens, nós bebemos muito e eu estava ficando com dois caras, e eu acabei dormindo lá e eu fui abusada’. Ela vai ficar de castigo feio. Eu não vou denunciar um cara desses pra polícia. Eu vou dar esporro na minha filha.”

Complementou: “Po que é um comportamento altamente condenável. Mas a gente não pode mais falar essas coisas, que existe mulher decente também ou piranha. Não existe também a ideia de mulher decente? As feministas querem que não. Por quê? Porque feminista é tudo recalcada, ressentida e, normalmente, mocreia, vadia, odeia homem, odeia união estável, odeia casamento”.

A declaração indignou boa parte da audiência dos veículos que o empregam. Isso fez com que a rádio Jovem Pan, a TV Record, a rádio Guaíba e o jornal Correio do Povo encerrassem os vínculos profissionais com dito jornalista.

O jornalista ainda complementou em seu perfil no twitter:

Entre todas as empresas jornalísticas, a única que manteve o vínculo foi a Gazeta do Povo, atitude justificada em carta pública.

E o que aconteceu com a Gazeta do Povo?

Apesar da opinião (dá para chamar assim?) misógina, violenta, machista e indecente do jornalista, a empresa resolveu manter o vínculo com o profissional, conforme declarou em manifestação.

A empresa manifestou que “estimulamos a pluralidade de pensamentos e ainda que nem sempre compartilhemos deles, acreditamos que, em uma sociedade verdadeiramente democrática, um espaço para a conversa civilizada é absolutamente indispensável.”

A reação foi imediata e 120 funcionários do grupo apresentaram carta aberta se posicionando conta a manutenção do jornalista entre os colaboradores.

A carta dos funcionários classifica o texto do jornalista com misoginia. “Constantino cobra ‘responsabilidade’ da vítima e condena ‘banalização’ do uso do termo estupro, mas descarta a palavra da vítima e ignora o fato de que a violência sexual tem inúmeras outras formas que não um ato consumado. Pior: dissemina esse entendimento deturpado, prejudicando o debate tão essencial. A misoginia perpassa toda a construção do texto além de deixar subentendida a avaliação de que tipo de mulher se coloca sob risco”.

Os funcionários da empresa cobram maior transparência ao dizer que “gostaríamos de um canal de comunicação mais ativo da empresa para com os colaboradores, que sinalizasse o que está sendo feito em relação ao episódio. Gostaríamos, assim, de mais transparência da direção em relação ao tema e seus possíveis desdobramentos.”

Apesar de muito bem argumentada no mérito e com fundamento na defesa dos direitos das mulheres, a empresa manteve o vínculo com o jornalista.

E os anunciantes?

Parte importante da receita das empresas de comunicação decorre dos contratos de anúncio publicitário, portanto, é indispensável um relacionamento de confiança e transparência com as empresas e, atualmente, uma responsabilidade sobre o conteúdo estar dentro dos limites civilizatórios.

A manifestação de Constantino está fora do nosso pacto civilizatório, não há o que discutir do mérito, muitas pessoas já explanaram a violência enorme da sua posição e o quão prejudicial ela é.

Se você leitor deste texto pensa em concordar com Constantino também está fora do limite civilizatório e a minha recomendação é que não manifeste seu posicionamento em público e, principalmente, procure se informar para mudar.

A anunciante Loft, que tem como compromisso “Vamos mudar a maneira como as pessoas mudam de lar através de uma experiência agradável.”, ao tomar conhecimento da posição da empresa, retirou os anúncios.

O Restaurante Outback seguiu a mesma linha e também decidiu por retirar os anúncios após pressão do movimento Sleeping Giants Brasil, que realiza pressão nas redes sociais para que empresas retirem anúncios de veículos reconhecidos por divulgarem fakenews e mensagens de ódio (vale pesquisar sobre a atuação da agência no exterior e aqui).

A UNIMED/RS também agiu para retirar os anúncios nas mídias da Gazeta do Povo:

O que o COMPLIANCE tem a ver com este fato?

Eu diria até de uma forma diferente: o que NÃO tem a ver?

Pelas regras de compliance, empresas adotam procedimentos para blindar a reputação de marca.

Como estamos acompanhando, atualmente a construção em torno das empresas é de se cobrar responsabilidade social sobre os assuntos que impactem diretamente as pessoas, funcionários e clientes.

Assim, por mais que posições de Constantino possam encontrar eco na sociedade (claro que sim, caso contrário ele não teria esses empregos, uma vez que não é a primeira manifestação indecente deste jornalista), as empresas tem que acompanhar os temas que TRANSFORMAM e oferecer um ambiente de dignidade para os clientes e funcionários.

Pluralidade de ideias não se confunde com desrespeito às pessoas. Umas das frases de Constantino que me chama a atenção é essa:

“A gente não pode mais falar essas coisas hoje em dia”

Concordo com o jornalista, NÃO PODE MESMO. Pensar dessa maneira é problemático por si só, porém colocar para o mundo resulta em consequências piores.

O Compliance deve acompanhar as transformações da sociedade para proteger as companhias de riscos de imagem e reputação causados por pessoas que falam em nome delas.

O que fazer na prática?

O caso se trata de uma empresa de comunicação que pode divulgar que a opinião do comentarista não é a opinião da empresa e, em casos extremos como esse, demiti-lo.

E quando é uma empresa comum?

1) Atualização e Comunicação Efetiva com os colaboradores:

Sempre digo que um problema grave como esse é muito ruim e até indigesto, machuca a sociedade e as mulheres, mas é sinal de uma evolução porque em outros tempos a denúncia de Mari Ferrer sequer seria feita (ainda acontece muito).

Então, as coisas mudam e se transformam. A objetificação e silenciamento das mulheres é milenar, então é preciso criar um ambiente seguro e aberto para construir e dialogar com as pessoas, principalmente os homens, sobre o quanto mudou. Para isso, há muita gente disponível.

A ideia é: valorizar as MULHERES da sua empresa e CONSCIENTIZAR os homens.

Cada empresa é uma realidade e história diferente e, em geral, as pessoas querem fazer o CERTO, porém este é um conceito dinâmico e que se altera com o advento das novas gerações. É preciso dialogar para se atualizar.

A gente não quer ninguém levantando bandeira do feminismo (se acontecer, tudo bem), a gente só quer que as pessoas estejam conscientizadas sobre as mudanças na sociedade.

2) Diversidade e espaço democrático de ideias

A construção de ambientes éticos e íntegros passa necessariamente pela existência de pluralidade de ideias e de histórias.

Não me esqueço de uma história: no trabalho uma vez, tomando um café, na época que foi implementado o corredor de ônibus na 23 de maio (corredor muito movimentado de SP), chegou uma pessoa reclamando odiosamente sobre aumento do trânsito. Quando o incomodado se retirou, a colega copeira comentou “estou chegando 1 hora mais cedo em casa e consigo jantar com minha filha”.

Quando falam de empatia nesta rede, essa é uma das histórias que me recordo. Então, para diminuir riscos de que funcionários realizem comentários indecentes como de Constantino é indispensável que se promova a diversidade. As pessoas precisam conhecer e aprender entre si.

Ambientes somente com iguais são a argila para o que eu costumo chamar “ressonância da imbecilidade coletiva”. Conforme demonstra Kahneman (Rápido e Devagar) as pessoas buscam necessariamente o reconhecimento da coletividade.

4) Acompanhamento de eventuais discursos de ódio:

Em tempos que a política está sendo feita com o estômago, é possível identificar os colaboradores, digamos assim, mais exaltados, as pessoas falam deles. É preciso acompanhar mais de perto e, se for o caso, dialogar com estes. Não se trata de espionar os funcionários e muito menos de impedir que estes tenham atividade política, mas muito pelo contrário (quem me acompanha sabe que eu comento política e defendo que as pessoas o façam).

Lembro aqui do fato que comentei em Julho de 2020 sobre o casal que ofendeu o fiscal carioca que trabalhava para evitar aglomerações. As pessoas estão desorientadas e, em momentos de crise econômica e política como o que vivemos, o risco de ações exaltadas aumenta consideravelmente. Portanto, atenção redobrada!

4) Manter o diálogo com os anunciantes

A construção e as respostas à sociedade são feitas junto com os outros players do mercado, uma vez que a pressão das pessoas nas redes sociais será recebida por ambos nesta transformação digital e estar alinhado com as pessoas físicas e jurídicas com quem você se relaciona é indispensável.

5) Monitoramento efetivo das menções da empresa nas redes sociais e prontidão na ação

As coisas na internet acontecem extremamente rápido. Como não lembrar da história da mulher que tuitou um comentário racista antes de embarcar num voo e, ao chegar ao destino, sua vida tinha mudado completamente. Isso foi em 2013 e aconteceria ainda mais rápido atualmente.

Então é preciso ter um monitoramento efetivo das redes para que as ações também sejam rápidas.

Estimular o RESPEITO acima de tudo:

A ideia foi demonstrar que a sociedade está em permanente TRANSFORMAÇÃO e é importante que as empresas tenham a capacidade de leitura da realidade e a compreensão do tamanho de sua responsabilidade para com os colaboradores e consumidores. Com o diálogo construtivo e o silenciamento do ódio (e criminalização quando for o caso) é que conseguiremos diminuir os riscos envolvendo a reputação da empresa.

As ideias que sugeri são decorrentes de boas discussões que realizo com os colegas, o acompanhamento dos climas nas redes sociais e a partir de leituras/cursos sobre os temas. Esta é uma construção coletiva e todas vivências importam, motivo pelo qual eu convido as leitoras e leitores a comentar sobre ideias que imaginam para que o discurso de ódio seja silenciado dentro das empresas.

Muito obrigado pelo seu tempo!

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GUILHERME AUGUSTO ABDALLA ROSINHA

Sambista de churrasco e saxofonista de rua Compliance e Integridade Tributário